Sunday, January 27, 2008

Ah, Ah

Friday, January 25, 2008

Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe
quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por
gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa,
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira.
Em que hei-de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso?
Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio?
Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim?
Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantámo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena; Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, para o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.
Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria
(para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira.
Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria
(metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
(O dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o
Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus gritei-lhe
Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da
Tabacaria sorriu.


Fernando Pessoa

O senhor da ASAE



O senhor da foto, presidente duma nova polícia que anda dando show mediatico por Portugal, multando a torto e a direito, sempre acompanhado pelas câmaras da televisäo e a quem MST denomina de novo Ayatollah, afirmou do alto da sua autoridade que "se näo quisermos viver nesta sociedade, poderemos sempre emigrar".

Ora bem, eu por näo querer viver nessa sociedade, já o fiz em 2003. Ao contrário de muitos outros compatriotas, que cruzam a fronteira apenas com o intuito de sustentar a família, eu busquei um exílio voluntário, única e exclusivamente porque o país que me viu nascer e onde vivi quarenta e muitos anos, me começou a meter nojo. Como näo faço parte das nomenclaturas que enriquecem robando os impostos pagos pelos portugueses que trabalham, enquanto a chamada justiça assobia para o lado, restava-me apertar o cinto, sobreviver e ir continuando a pagar os sempre elevados impostos que por aí se costumam cobrar. Exilei-me.

Hoje vivo a uns prudentes 1300 kms, desse país putrefacto, num local onde os governantes cumprem aquilo para que foram eleitos ou seja governar e zelar pelo bem estar dos cidadäos. Vivo num local com pleno emprego, sem mendigos, sem drogados a estacionarem carros, sem graffiteiros, um local com parques de estacionamento públicos onde a primeira hora é gratuita, onde as multas por estacionamento custam apenas 12 euros, onde os serviços de saúde e a SS säo eficientes e nos hospitais só existem quartos particulares (mesmo para o mais humilde emigrante), onde a justiça funciona e é eficaz praticamente näo existindo criminalidade. Ou seja o inverso dessa realidade à beira mar plantada.

Que o senhor da ASAE, os seus colegas de partido e já agora os do outro partido que com eles têm dividido a governaçäo, continuem nesse caminho. Caminho que conduziu Portugal ao ridículo em que se encontra hoje na Europa, e que levará à completa ruina do país dentro de alguns anos. Eu por mim, já estou em porto seguro.

Thursday, January 24, 2008

Wednesday, January 23, 2008

Viva Espanha!

Os espanhóis andam preocupados com - imagine-se - a crise económica! No primeiro ano em que houve uma pequena baixa no sector imobiliário, com os preços e as vendas das casas a näo subirem tanto como nos anos anteriores, vem o senhor Rajoy devidamente apoiado pelo cardeal Rouco Varela, a 49 dias das eleiçöes, carregar contra as políticas de Sapatero e agitar o fantasma da crise económica.
Falar-se de crise num país que pelo terceiro ano consecutivo apresenta superavit económico (2% este ano), um país cujo PIB per capita näo para de crescer, - a Espanha já ultrapassou a Itália neste capítulo - um país onde a criaçäo de emprego aumenta diariamente (70.000 portugueses trabalham em Espanha neste momento) é para este luso observador perfeitamente patético e anedótico.

Quando como se espera ganhar as eleiçöes, Zapatero colocará as pensöes mínimas nos 850 euros!

Que podem dizer ou pensar os portugueses, um povo apático e desorientado tentando viver com salários e pensöes de miséria, um povo que paga os mais altos impostos da Europa (uma simples botija de gás custa em Portugal mais 4,5 euros que em Espanha) para sustentar uma elite de burocratas tacanhos e corruptos que apenas sabem viver à custa do orçamento do Estado e delapidando o pouco que o país produz? Elite que ano após ano väo conduzindo o país para a mais absoluta miséria?
Que podem dizer ou pensar os portugueses - cujo país desde há dez anos diverge dos restantes da Uniäo Europeia, - habituados a ouvir os políticos de turno no poder afiançar cada ano que no próximo é que será o ano da recuperaçäo? Que o país está em crise económica? Que a culpa é da conjuntura internacional?
Portugal está em crise mas é uma crise de moral. Que dura há trinta anos e näo tem soluçäo. Porque a soluçäo vai contra os interesses dessa mesma elite dominante.

Que digo eu, atento observador disto tudo? - pois, que viva Espanha!

Tuesday, January 15, 2008

Photoshops Skills

Scarlett Johansson 's new dress.

Monday, January 14, 2008

Monday, January 07, 2008

Sunday, January 06, 2008

El Partido de Dios


Por lo considerar un texto notable paso a transcribir este articulo de opinión publicado en El Periódico de Catalunya en el dia 05 de Enero de autoria de José Manuel Fajardo.


LA IGLESIA CATÓLICA HA CONDICIONADO TRÁGICAMENTE LA VIDA POLÍTICA ESPAÑOLA DESDE HACE 500 AÑOS.


El paréntesis de tolerancia de la derecha, abierto con la transición política en España, se ha cerrado definitivamente. Cuando la izquierda intenta gobernar con medidas de izquierda, la España ultramontana y reaccionaria resurge para negarle el derecho a hacerlo, sembrando la discordia y anatemizando a quienes discrepan de sus opiniones. El Partido Popular ha rescatado el siniestro nacionalismo español que condujo al país a la dictadura franquista, y ahora los obispos rescatan el integrismo católico que ha sido la losa que ha aplastado sistemáticamente los intentos de modernización de España.
Lo acontecido en Madrid, es decir, la actuación de los obispos españoles como si fueran dirigentes de un partido político preconizando la imposición de su ideario no solo a los católicos sino a la sociedad entera, muestra el viejo afán de poder de la Iglesia católica, pero es reflejo también del modo como esa institución ha condicionado trágicamente la vida política española.

La Iglesia católica ha estado vinculada, desde el nacimiento del Estado español, a una concepción del poder autoritaria y despiadada que no ha dudado en sacrificar la vida de millones de españoles --enviándolos a la hoguera, al cadalso, a la cárcel o al exilio-- durante casi 500 años. No es casual que los primeros monarcas de España se llamaran Reyes Católicos. Ellos instauraron una alianza con la Iglesia para poner en marcha la primera maquinaria totalitaria de la modernidad: la Inquisición española.
Estado e Iglesia se confundieron y se utilizaron, en mutuo beneficio, durante los 350 años que duró la Inquisición. En ese tiempo, doctos clérigos enviaron a la tortura a cientos de miles de personas y ejecutaron al menos a 40.000; se persiguió cualquier forma de pensamiento disidente del catolicismo oficial; se obligó a convertirse a buena parte de las numerosas comunidades españolas judía y musulmana (siempre con la idea de que solo lo católico es auténticamente español) y se expulsó sin piedad a quienes se negaron a hacerlo.
Después, la mayor parte de la Iglesia española se embarcó en un sistemático acoso a aquellos judíos y moriscos que se habían convertido, víctimas predilectas de los inquisidores, anticipándose de nuevo a lo peor de nuestro tiempo, al establecer los llamados Estatutos de limpieza de sangre, las normas que discriminaban a quien tuviera un origen judío, por muy católica que fuera su fe. Un auténtico sistema de limpieza étnica y racista que envenenó la vida social al predicar la delación del vecino como valor moral, y sembró una semilla de intolerancia cuyos frutos continuaron incluso después de desaparecida la Inquisición.
Cada intento de ganar espacios de libertad en España ha chocado desde entonces con esa intolerancia católica. Una intolerancia que está latente en cualquier religión monoteísta organizada, pues si siempre es peligroso creerse en posesión de la verdad absoluta, todavía lo es más cuando se pretende que esa verdad ha sido revelada directamente por Dios. De las funestas consecuencias que tal punto de vista comporta da testimonio la historia del Papado de la Iglesia católica, llena durante siglos de conspiraciones, crímenes, guerras y abusos.

La Iglesia católica ha sido y es un Estado, con sus intereses y sus vicios, aunque estos se enmascaren tras beatíficas palabras y declaraciones de buenas intenciones, y en España ha vivido en simbiosis con el Estado español, condicionando sus decisiones y la vida cotidiana de generaciones de españoles, víctimas además en su vida familiar de la manipulación de sus enseñanzas, que han predicado una visión traumática y castradora de la sexualidad.
Se puede decir que, en buena medida, el progreso de la sociedad española ha pasado históricamente por los esfuerzos tendentes a poner fin a esa posición privilegiada de la Iglesia. Y en esos esfuerzos no han faltado tampoco católicos que desde el interior la Iglesia han alzado sus voces contra la intolerancia que se practicaba en nombre de su fe. Bartolomé de la Casas, que salió en defensa de los derechos de los indios americanos. Alonso de Cartagena, que se opuso a la persecución de los judíos conversos. Juan XXIII, que abrió la Iglesia al diálogo ecuménico. El cardenal Tarancón, que preconizó la separación de la Iglesia de la dictadura franquista. Pues si hay un riesgo de totalitarismo en toda religión organizada, ese riesgo no es necesariamente fatal, a condición de que en el seno de la Iglesia haya y tengan peso suficiente voces que alerten de él y que defiendan un espacio para la fe que sea respetuoso con quienes no la comparten. Lo mejor de la Iglesia católica se ha manifestado siempre cuando ha sido capaz de respetar a los otros.

Sin embargo, los obispos pretenden que el poder político solo es legítimo si se atiene a la moral católica disfrazada de ley natural. Que el Opus Dei, un producto del nacionalcatolicismo franquista, domine la política vaticana, quizá explique por qué ese tipo de actitudes cuentan con un respaldo papal inmerecido y equivocado, y también por qué los obispos han decidido actuar, sustituyendo ecumenismo por sectarismo, como si fueran el partido de Dios.
Claro que no hay que olvidar que Benedicto XVI fue durante años el director del organismo que sustituyó a la Inquisición en el seno de la Iglesia. Y es que la Historia pesa mucho.